O cisne negro de cada um


A busca pela perfeição desperta nosso lado mais sombrio

Nina é uma bailarina dedicada que se esforça além da conta para atingir a perfeição técnica. Em uma das cenas, o diretor da companhia diz que ela é tecnicamente perfeita, mas incapaz de sentir. Tinha técnica e nenhuma vida. A primeira lição de casa que dá à moça é masturbação. Outra bailarina, que Nina passa a enxergar como rival em seus delírios persecutórios, é o oposto: está longe de ser tecnicamente perfeita. Mas quando dança, sente.
O maior desafio de Nina é interpretar os dois cisnes - o branco e o negro - no clássico O Lago dos Cisnes. Esse é também o pesadelo do diretor. Nina é um primor como o cisne branco, mas não convence na pele do cisne negro. O papel que a bailarina precisa desempenhar toma conta de sua vida. O espectador assiste, aos sobressaltos, a transformação da moça doce, pura e inocente numa pessoa descontrolada, agressiva, ensandecida.
Cisne Negro não é uma fábula estapafúrdia. Ele nos toca justamente porque é verossímil. Ninguém precisa ser uma bailarina na competitiva batalha pelo melhor papel para despencar naquele abismo. O filme é quase um aviso: “Ei, todos nós somos cisnes brancos e negros”. A linha que separa os dois é tênue e fluida.
Nina não parece ser psicopata - aquele tipo de pessoa perversa, desprovida de culpa e capaz de passar por cima de qualquer ser humano para satisfazer os próprios interesses. Para gente assim não existe cura. Só cadeia.
A bailarina me fez lembrar de quem sofre de algo mais frequente: o transtorno obsessivo-compulsivo (TOC). Para muita gente, TOC é a doença de quem pratica atos repetitivos como checar sete vezes se a torneira está fechada antes de sair de casa. Não é só isso. O distúrbio tem diferentes nuances e gradientes. No convívio social, pode passar despercebido. Um colega de escola, de trabalho, um amigo querido, a mulher, o marido pode estar passando por isso agora mesmo sem que você se dê conta.
“O perfeccionismo é muito característico desse tipo de transtorno”, diz a psicóloga Patricia Vieira Spada, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “Tudo tem que estar no lugar porque a pessoa não suporta lidar com as surpresas da vida.”
Como Nina, quem sofre desse transtorno de ansiedade tem preocupações excessivas, desconforto, medo, aflições, depressão. A perfeição é um falso porto seguro. Para não sentir, para não ter afeto, tudo precisa estar sob controle. Ter afeto é lidar com a imprevisibilidade das relações humanas. Ninguém sabe o que vem pela frente. Não ter resposta é dolorido, mas é preciso saber suportar a dúvida.
O desfecho da história da bailarina é clássico. Reprimida pela mãe e por ela mesma, perde o controle sobre a impulsividade. Torna-se um bicho agressivo, psicótico, atormentado por alucinações. “É importante conhecer o cisne negro que existe dentro de cada um de nós”, diz Patricia. “Perigoso é negá-lo.”

(Cristiane Segatto escreve às sextas-feiras)
Fonte: REvista Época
















Comentários

  1. Amiga! Quanto tempo!!!
    Tenho saudades dos nossos papos.
    Eu reativei meu msn, porque havia desativada por causa de vírus...
    Adorei esse post. Ainda não tive oportunidade de ver o Cisne Negro. Estou preparando minha proposta de mestrado e, pra variar, ando sem tempo pra nada.
    Seu blog está lindo!
    Vou ver todos e o do Jonas também!
    Como ele está?
    Beijo os dois!

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

VOCÊ É O MEU AMOR

VOCÊ CONHECE UMA MÃE QUE PERDEU UM FILHO?

Alma em transformação é o símbolo da Borboleta